Vidas negras: pesquisadoras discutem desigualdades raciais na pandemia da Covid-19

04/06/2020
Flávia Lobato (Portal de Periódicos Fiocruz) | Foto: Unsplash

Racismo mata: fato a que se assiste cotidianamente no Brasil e no mundo. E, na pandemia, as vidas negras são as mais vulneráveis. Este é o tema da nota de conjuntura Desigualdades raciais em saúde e a pandemia da Covid-19, que integra uma nova seção da revista científica Trabalho, Educação e Saúde (vol. 18, n. 3, 2020). O Portal de Periódicos Fiocruz destaca esse importante tema, no dia em que o mundo assiste ao funeral de George Floyd — homem negro, brutalmente assassinado por policiais nos EUA. É o 10º dia de uma onda de protestos que leva cidadãos às ruas daquele país, em meio à pandemia. No Brasil, a morte do jovem João Pedro, de 14 anos (isolado em casa na quarentena e vítima de uma operação policial numa favela no Rio) também ganhou repercussão em maio, assim como outros casos semelhantes que aumentam as estatísticas de vidas negras perdidas.

Os fatores que determinam e influenciam este cenário são apresentados pelas pesquisadoras Emanuelle Freitas Goes (do Centro de Integração de Dados de Conhecimentos para Saúde da Fundação Oswaldo Cruz), Dandara de Oliveira Ramos e Andrea Jacqueline Fortes Ferreira (ambas da Universidade Federal da Bahia). As autoras da nota mostram que a pandemia do coronavírus tem sido um desafio maior para países que apresentam profundas desigualdades. Para retratar este tema tão atual, elas recuperam aspectos históricos e sua relação com as condições de vulnerabilidade da população negra, trazem dados recentes (incluindo a situação nos EUA) e apresentam uma agenda de ações específicas para o combate ao racismo e suas devastadoras consequências relacionadas à Covid-19.

No Brasil, as bases do problema estão fincadas no racismo estrutural e institucional, escrevem as pesquisadoras. “Para população negra, o cenário da pandemia se associa às condições desiguais determinadas pelo racismo estrutural e institucional, visto que ela tem menos acesso aos serviços de saúde e está em maior proporção entre as populações vulneráveis, que secularmente vivenciam a ausência do Estado em seus territórios”. Completam, lembrando que enfrentar a epidemia e combater o preconceito racial são ações indissociáveis. “A pandemia desnuda o quanto o Brasil é um país desigual e pouco avançou na superação do racismo. No entanto, para conter a expansão da pandemia no país e dar o próximo passo, será preciso, em primeiro lugar, enfrentar o racismo e as desigualdades, porque, além de tudo, a população negra representa mais da metade da população brasileira”.

A pesquisa publicada pela TES mostra também que, nos EUA, negros adoecem e morrem mais pelo novo coronavírus. Em Chicago, por exemplo, os afro-estadunidenses são 29% da população da cidade, e representam 70% das mortes por Covid-19. Mas esse grupo populacional está realizando menos testes para a confirmação da doença. “As desigualdades raciais no acesso ao teste apresentam um sinal de alerta para um viés racial implícito, segundo alguns profissionais que estão no front da pandemia. A análise indica que os afro-estadunidenses são menos encaminhados para realização de testes para a Covid-19 quando comparecem ao atendimento com sinais de infecção (Farmer, 2020)”. Acesse a nota completa aqui e saiba mais.

ONU alerta para impacto desproporcional da COVID-19 sobre minorias raciais e étnicas

A Organização das Nações Unidas (ONU) também tem alertado sobre o problema. Segundo a alta-comissária da ONU para os direitos humanos, Michelle Bachelet, o impacto desproporcional da Covid-19 sobre minorias raciais e étnicas provavelmente resulta de múltiplos fatores relacionados à marginalização, discriminação e acesso à saúde, embora sejam necessárias mais informações para entender e resolver completamente a situação. “Os dados nos mostram um impacto devastador da Covid-19 sobre pessoas de ascendência africana, bem como minorias étnicas em alguns países, incluindo Brasil, França, Reino Unido e Estados Unidos”, disse Bachelet. No estado de São Paulo, as pessoas negras têm 62% mais chances de morrer de Covid-19 do que as brancas. No departamento de Seine Saint-Denis, na França, também foi registrada alta mortalidade entre pessoas de minorias raciais e étnicas.

Nova seção da revista

A Trabalho, Educação e Saúde (TES) está inaugurando a seção Notas de Conjuntura, composta por textos de autores convidados, mantendo-se o processo de avaliação por pares. A criação da seção já havia sido planejada antes de a doença causada pelo novo coronavírus (Covid-19) ser reconhecida como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e o fast track de textos ser adotado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Segundo a editora da TES, Angélica Ferreira Fonseca, nos próximos números, a temática básica desta seção orbitará em torno da Covid-19. “A miríade de abordagens e questões que esta temática suscita não só reflete a coerência com a multidisciplinaridade da nossa revista, mas também nos permite reunir instrumentos para compreender, academicamente, a complexidade do momento, cujo enfrentamento só poderá ser feito se analisarmos a vida social na sua totalidade”. Acesse os textos da nova seção, a seguir.

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