Ciência em tempos de pandemia é tema da revista Cadernos de Saúde Pública

04/05/2020
Informe Ensp

A revista Cadernos de Saúde Pública (vol. 36, n. 4, abr/2020) aborda o papel das revistas científicas no conjunto de estratégias e ações voltadas para o controle da pandemia causada pela Covid-19. Para as editoras Marilia Sá Carvalho, Luciana Dias de Lima e Cláudia Medina Coeli, mesmo que os estudos científicos sejam fundamentais para orientar decisões imediatas, a Ciência tem impacto significativo no futuro das sociedades, e a produção do conhecimento científico exige investimento de médio e longo prazos do poder público e da sociedade.

O editorial da revista destaca que, diante da gravidade da situação atual, mesmo as revistas pagas estão liberando o acesso aos artigos publicados. Na Fiocruz, foi criada uma plataforma temática para apoiar a pesquisa e a adoção de medidas relacionadas ao novo coronavírus. Organizada por meio do software livre de gerenciamento de referências bibliográficas - Zotero -, a base continha cerca de 1.600 itens em 22 de março, o que mostra o enorme esforço empreendido pela comunidade científica em todo o mundo.

Nos Cadernos, todas as atividades editoriais estão sendo mantidas por via remota, e as editoras darão a maior velocidade possível ao processo de avaliação e publicação dos artigos aprovados, que abordem o tema da Covid-19. Mas por que manter a rotina de publicação de temas aparentemente não tão relevantes neste momento de crise?

O editorial considera que não adianta pedir urgência no desenvolvimento de vacinas se as condições para isto não tiverem sido criadas a tempo. Além disso, a desconfiança quanto à segurança das vacinas, incentivada por governantes, gera limitações que deverão ser enfrentadas no controle e mitigação dos danos da epidemia.

Emergência sanitária expõe outras questões prioritárias

Segundo as editoras, as várias revistas científicas brasileiras publicaram estudos sobre o impacto da atenção primária em saúde na saúde das populações, inclusive, como cabe aos cientistas, apontando os limites e condições para o aperfeiçoamento no contexto atual. No entanto, em vez de aperfeiçoar a proposta, houve demissões em massa. O subfinanciamento do SUS em todas as suas dimensões também mereceu a atenção de cientistas, inclusive como resultante de uma política de austeridade fiscal que tem retirado um volume expressivo de recursos para as áreas sociais e de saúde.

Segue o editorial afirmando que a capacidade de resposta dos países certamente depende da configuração de seus sistemas de saúde. Mesmo na Itália, com um sistema universal de atenção à saúde considerado um dos melhores da Europa, a assistência hospitalar chega ao limite da sua capacidade de resposta aos pacientes que necessitam de internação e cuidados intensivos. Enquanto na Espanha adotam-se mecanismos de bloqueio e nacionalização do sistema privado de saúde, no Brasil aumenta-se o financiamento dos planos de saúde privados. O Reino Unido vai manter os salários dos trabalhadores para evitar demissões; no Brasil as empresas são autorizadas e cortar jornada de trabalho e salário.

O enfrentamento da epidemia, acrescenta o editorial, deve incorporar a realidade de países com grandes desigualdades socioeconômicas e carga de doença. Não é porque um novo patógeno se dissemina que a situação de saúde anterior desaparece. A alta prevalência de hipertensão, um dos fatores de agravamento do quadro clínico, e a baixa situação socioeconômica e de escolaridade influenciam fortemente o controle dos níveis pressóricos e o desfecho da doença. O distanciamento social dificilmente será factível em comunidades de baixa renda. Por isso, além da iniquidade na assistência, também a propagação será desigual.

O papel da publicação científica tem no sistema de revisão por pares uma mínima garantia da qualidade da produção acadêmica. “O papel de CSP é publicar a produção científica honesta e bem conduzida, como fizemos recentemente com um artigo que aponta o papel da vigilância em saúde oportuna e eficaz”, dizem as autoras.

Na opinião da editoria, cientistas de todo o mundo irão gerar o conhecimento que permitirá enfrentar não só a pandemia da Covid-19, mas também subsidiar políticas que organizem a assistência e possibilitem o cuidado adequado aos pacientes. “Queremos contribuir na mitigação dos danos dessa pandemia e também pensar no futuro. Afinal, tratar a gravidade da infecção também passa por tratar a hipertensão”, finalizam.

Espaço temático enfoca Covid-19 e contribuições para a saúde pública

Nesta edição dos Cadernos, o Espaço Temático traz contribuições de pesquisadores sobre questões relacionadas à pandemia. O novo “boom” da produção acadêmica no campo da saúde global é objeto do artigo Desafios da pandemia de Covid-19: por uma agenda brasileira de pesquisa em saúde global e sustentabilidade. Os autores abordam a mudança do papel que o Estado brasileiro tem desempenhado nas relações internacionais, inclusive com significativa perda de liderança no que se refere à implantação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030. Além disso, tratam da sustentabilidade como enfoque fundamental de uma agenda de pesquisa no campo da saúde global. “Em um cenário de desprestígio da educação e da ciência, é ainda mais importante que os pesquisadores do campo da saúde global estejam atentos às temáticas nas quais a nova atuação internacional do Brasil repercute de forma mais intensa, a exemplo das questões relacionadas à democracia e aos direitos humanos, e neles particularmente as questões de gênero.”

Já no artigo (In)Segurança alimentar no contexto da pandemia por SARS-CoV-2, as autoras comentam que os esforços, no Brasil, estão inicialmente voltados para evitar a propagação do SARS-CoV-2 e possibilitar o atendimento em saúde a pessoas com casos graves. Entretanto, outra face que se apresenta é a da segurança alimentar. Itália, Espanha e Portugal, já em quarentena, desenvolveram iniciativas para evitar aglomerações que impactaram a cadeia de alimentos. Nesses países, muitos estabelecimentos comerciais de refeições estão fechados e os supermercados passaram a implantar regras para acesso e aquisição de produtos, a fim de evitar o desabastecimento.

Em Covid-19 e as oportunidades de cooperação internacional em saúde, Paulo Marchiori Buss e Sebastián Tobar escrevem sobre a importância da cooperação em saúde e do multilateralismo regional no contexto da pandemia. Tratam particularmente da América do Sul, identificando linhas de trabalho, destacando: intercâmbio de dados para acompanhamento da epidemia; informações sobre diagnóstico, vigilância, controle e prevenção da Covid-19; criação de uma rede regional de laboratórios para diagnóstico; incentivos à pesquisa, inovação tecnológica e produção de tecnologias sanitárias; adoção de mecanismos para negociação conjunta e compra de insumos estratégicos; criação de fundos regionais para apoio financeiro de emergência; e mobilização de redes estruturais das instituições sul-americanas, como institutos nacionais de saúde pública, escolas de saúde pública e escolas politécnicas de saúde.

O Espaço Temático aborda também o impacto da pandemia na saúde mental dos profissionais de saúde. Por fim, traz um artigo sobre distanciamento social e aumento da violência doméstica — particularmente contra mulheres, crianças e adolescentes — em diferentes países (tais como China, Reino Unido, Estados Unidos, França e Brasil).

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