A publicação do posicionamento do Fórum de Editores de Saúde Coletiva da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), no final de junho, sobre a prática do ineditismo na publicação científica e a defesa do livre acesso a teses e dissertações, reacendeu uma tensão em torno do critério de ineditismo adotado por periódicos científicos na disseminação dos resultados da produção acadêmica. A entidade criticou a prática de rejeitar artigos derivados de teses e dissertações já disponíveis em repositórios institucionais, sob alegação de autoplágio ou quebra de originalidade.
Para a Abrasco, essa posição enfraquece as políticas de Acesso Aberto e atrasa a divulgação de pesquisas financiadas com recursos públicos — especialmente relevantes para países periféricos. “Rejeitar artigos com base em similaridade textual com teses e dissertações disponibilizadas em repositórios institucionais enfraquece a política de Acesso Aberto, além de retardar a divulgação de pesquisas, em grande parte financiadas com recursos públicos, que poderiam contribuir para o enfrentamento de problemas sociais, econômicos e culturais — especialmente em países periféricos.”
Em entrevista ao Portal de Periódicos da Fiocruz, Angélica Fonseca, coordenadora do Fórum de Editores da Saúde Coletiva e editora da Revista Trabalho, Educação e Saúde, alertou que as revistas científicas valorizam em excesso a originalidade e deixam de considerar que teses e artigos têm naturezas distintas. Segundo ela, restringir publicações com base nesse critério pode limitar o alcance da ciência e favorecer periódicos predatórios. “Repositórios institucionais cumprem esse papel, e a rejeição a artigos derivados de teses disponíveis nesses repositórios enfraquece essa política, limitando a circulação do conhecimento e, ainda que indiretamente, promovendo a publicação em periódicos predatórios.”
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O que está acontecendo no mundo da divulgação científica em relação à publicação de artigos? A que se deve esse problema?
O universo da comunicação científica é dinâmico, internacionalizado e, em várias dimensões, reflete interesses que, muitas vezes, entram em conflito com a perspectiva de democratização do conhecimento. O posicionamento público do Fórum de Editores de Saúde Coletiva da Abrasco refere-se especificamente à tensão entre a política de ineditismo e a disponibilização de teses e dissertações em repositórios institucionais. Muitos periódicos rejeitam artigos derivados de trabalhos acadêmicos já depositados, com base na ideia de autoplágio. Isso ocorre porque as revistas priorizam uma noção estrita de originalidade, sem considerar que teses e artigos têm formatos, públicos e objetivos distintos.
Qual a relação com a popularização da divulgação científica e a Política de Acesso Aberto?
A Política de Acesso Aberto defende que o conhecimento científico deve estar livremente acessível. Quando se trata de pesquisas financiadas com recursos públicos, enfrentamos um posicionamento ético-político do qual não se deve abrir mão. Repositórios institucionais cumprem esse papel. Rejeitar artigos derivados de teses já disponíveis enfraquece essa política, limita a circulação do conhecimento e pode, mesmo que indiretamente, incentivar a publicação em periódicos predatórios.
Qual é a função dos periódicos e dos repositórios nesse cenário?
Tradicionalmente, os periódicos buscam garantir qualidade por meio de diretrizes e práticas editoriais, como a avaliação por editores e por pares. Periódicos comprometidos com a ciência — que reconhecem o conhecimento como bem público — não se pautam pelo lucro. No campo da saúde coletiva, essa atuação se ancora em princípios como o direito à saúde e a equidade, que também estruturam o SUS. O ineditismo continua sendo um critério importante para coibir publicações redundantes, mas isso não deve penalizar pesquisadores que depositam e tornam acessíveis suas teses. Já os repositórios cumprem a função de disseminar a produção intelectual de forma aberta e preservar a memória institucional, contribuindo diretamente para a democratização do conhecimento.
Quem perde com a rejeição de artigos derivados de teses?
É difícil dizer quem não perde. A rejeição de artigos derivados pode levar pesquisadores a “guardar” resultados para artigos, enfraquecendo a qualidade das teses e dissertações. As instituições perdem ao enfraquecerem seus próprios canais de disseminação — os repositórios. E os periódicos perdem para revistas predatórias. No fim, a maior perda é da sociedade, que enfrenta mais barreiras para acessar o conhecimento científico.
Em síntese, qual é a posição do Fórum de Editores de Saúde Coletiva da Abrasco?
Teses e artigos são complementares, não excludentes. Os periódicos devem adotar critérios que preservem o ineditismo sem penalizar a produção acadêmica derivada. A ciência aberta deve prevalecer sobre barreiras artificiais e anacrônicas, fortalecendo a democratização do conhecimento e combatendo práticas excludentes.