Silvania Sousa do Nascimento

Fernanda Marques* | Foto: Kayke Quadros

Para a professora Silvania (ao centro), divulgação científica deve abandonar o "modelo de déficit" e
passar para o modelo de engajamento público

 

A coordenadora da Diretoria de Divulgação Científica da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Silvania Sousa do Nascimento, esteve recentemente na Fiocruz, onde apresentou uma conferência sobre os desafios da área nas instituições universitárias. Na ocasião, a professora  destacou que a cultura científica é parte da formação cidadã, defendendo uma comunicação pública das ciências e tecnologias, com o efetivo engajamento da sociedade. Falou também sobre os desafios do trabalho com mídias convergentes, especialmente em um momento em que as universidades sofrem com a falta de investimentos. Além disso, apresentou os resultados promissores da experiência de formação transversal em divulgação científica. Esses e outros temas foram abordados nesta entrevista que a professora Silvania concedeu ao Portal de Periódicos Fiocruz.

Fernanda Marques: Como estão organizadas as ações de divulgação científica na UFMG?

Silvania Nascimento: Há uma grande polissemia em torno do conceito de divulgação científica. As ações promovidas na UFMG têm uma amplitude muito grande de formatos: estão organizadas em ações de comunicação científica para pares (eventos e publicações científicas), popularização das ciências e jornalismo científico. Essa estratégia coloca o cientista diante da responsabilidade de produzir novas formas de conteúdo para diferentes esferas sociais. Na Extensão, priorizamos ações de comunicação pública, na qual se promove a circulação do conhecimento científico e seu encontro com setores da sociedade. Essa convergência requer o mapeamento das ações existentes e fomento de ações inovadoras. No modelo de déficit, muitas vezes presente nas ações de comunicação, o cientista busca apresentar a ciência para um público mais amplo, mas não engajar o público em uma troca de saberes, onde a ciência é igualmente uma produção discursiva. Daí a importância de tratar a divulgação científica como um modelo de engajamento público.

Fernanda Marques: Como se equaciona a necessidade de publicação entre pares, da qual os pesquisadores dependem para obter uma boa avaliação acadêmica, e a responsabilidade social de comunicar as ciências e as tecnologias para o público geral?

Silvania Nascimento: São necessidades e justificativas diferentes. O processo de validação do conhecimento científico, que passa pela arbitragem dos pares e pela publicização dos procedimentos realizados -, em geral ocorre nos eventos e periódicos científicos de alto impacto. Esse processo é importante para a construção do conhecimento científico, mas não é a única forma de avaliação acadêmica, ainda que muito valorizada. A responsabilidade social da ciência com os contribuintes – que são não beneficiários, mas financiadores do processo de produção desse conhecimento – tem sido cada vez mais valorizada como instrumento de avaliação da qualidade e compromisso social da pesquisa científica. Certamente essa equação exige competências diferenciadas e grupos de pesquisa interdisciplinares, onde ambos os processos comunicativos são valorizados e implementados com suas particularidades.

Fernanda Marques: O pesquisador recebe algum tipo de incentivo para participar de ações de divulgação científica?

Silvania Nascimento: Desde a criação da aba de divulgação científica no Currículo Lattes vem aumentando a preocupação com a qualificação de indicadores que possibilitem aos órgãos de fomento avaliar essa produção. Muitos editais nacionais e internacionais já exigem um plano de comunicação e divulgação dos processos e resultados das pesquisas para público amplo de não especialistas, bem como a presença de comunicadores das ciências nas equipes. Essa é uma forma de incentivo que mostra a presença transversal do tema no processo de produção do conhecimento. 

Fernanda Marques: A cultura científica é parte da formação cidadã, embora a Extensão universitária, por vezes, ainda seja vista como uma atividade apenas assistencial. Na sua opinião, a universidade caminha para uma mudança de paradigma nesse aspecto?

Silvania Nascimento: A Extensão universitária no Brasil e na América Latina tem se profissionalizado e tornado claras as diferenças entre as ações assistenciais e a prestação de serviços. Na UFMG, a Extensão está cada vez mais organizada em programas e projetos que valorizam a integração entre pesquisa e ensino. Para os projetos e programas serem apoiados pela Pró-Reitoria, eles precisam envolver alunos de graduação e pós-graduação, demonstrando sua relevância formativa, e compartilhar com uma comunidade (urbana, rural, minorias étnicas etc.) os processos e resultados de uma investigação científica. Temos em nosso sistema de monitoramento da Extensão programas e projetos em todas as áreas do conhecimento. Estamos caminhando para fortalecer na cultura científica institucional essa mudança de modelo da Extensão. Claro que é ainda um processo...

Fernanda Marques: Como tem sido discutido e experimentado o trabalho com mídias convergentes?

Silvania Nascimento: Vivemos no mundo da ubiquidade e a comunicação das ciências precisa acompanhar essa dinâmica comunicativa. Nosso desafio atual é nos prepararmos para a web das coisas e criarmos formas de comunicação rápidas e acessíveis nos dispositivos móveis. Em relação ao desenvolvimento de produtos de comunicação das ciências, traduzimos esse desafio no trabalho com as mídias convergentes. A formação do comunicador passa pelo conhecimento das mídias escritas e audiovisuais. Nossos canais de rádio e televisão nos formatos tradicionais estão migrando para a produção de conteúdos interconectados. Esse é ainda um desafio formativo, uma vez que as técnicas da narração radiofônica ganham a dinâmica de um programa de auditório e a transmissão via web, de uma narrativa visual. É não somente um desafio conceitual como tecnológico, pois exige mudanças no roteiro da mídia e na composição do cenário e dos equipamentos de captura de som e imagem. Entre 2011 e 2016, no projeto Barômetro: ciência, café e debate, discutimos o conteúdo gerado a partir do monitoramento das redes sociais da UFMG, produzindo um tema mensal para debate ao vivo pela rádio com transmissão também ao vivo pela web. Foi uma experiência muito importante como possibilidade de trabalhar com mídias convergentes. Mas, entre os muitos problemas que a universidade vive hoje, temos o da continuidade do financiamento para a inovação na área de pesquisa e desenvolvimento de dispositivos de divulgação científica.

Fernanda Marques: Poderia nos contar um pouco sobre a formação transversal em divulgação científica?

Silvania Nascimento: A formação transversal é um modelo de formação complementar livre para os alunos de graduação da UFMG, mas que atende igualmente alunos de pós-graduação e comunidade externa da UFMG. Entre as várias formações já aprovadas, a Divulgação Científica oferece cerca de 120 vagas. Temos três disciplinas obrigatórias: História da Divulgação Científica; Comunicação em Museus; e Ciências e Sociedade. Para completar as 360 horas de formação, o aluno deve escolher entre as disciplinas de Laboratórios (disciplinas de caráter prático) e Tópicos de Divulgação Científica. Este semestre devemos ter os primeiros alunos com a menção de aprofundamento em Divulgação Científica. Como resultados, temos um envolvimento cada vez maior de professores, pesquisadores e alunos debatendo os desafios da comunicação pública das ciências. Instituímos um Fórum de Cultura Científica na UFMG, que se reúne semestralmente.

*Fernanda Marques é jornalista com ampla experiência na área de divulgação científica, atua como assessora de comunicação da Editora Fiocruz e colabora regularmente com o Portal de Periódicos Fiocruz

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