Neste Dia Internacional das Mulheres pedimos para mulheres que são essenciais à produção cientifica dos periódicos da Fiocruz para fazerem uma breve reflexão sobre a importância e os desafios de produzirem ciência e, mais especificamente, periódicos científicos.
As reflexões mostram que ainda falta espaço nos meios científicos para mulheres e elas sofrem com as pressões de ter muitos papeis sociais. Além disso, existem inúmeros desafios para lidar com preconceito aos temas sociais, sem espaço para questões culturais. Elas também falaram das dificuldades de reconhecerem os próprios preconceitos e a paixão pela ciência.
Abaixo o depoimento de algumas das importantes vozes que estão à frente dos periódicos da Fiocruz (em ordem alfabética):
Cadernos de Saúde Pública (CSP)
Marilia Sá Carvalho, editora-chefe do CSP
"Uma etapa importante da produção de conhecimento científico é a publicação dos resultados e reflexões de autora(e)s. No entanto… seria esse momento de avaliação de artigos – aceite ou recusa – isenta de preconceitos? Talvez não explícitos, mas refletindo o que está presente na sociedade: mulheres seriam mesmo “boas” cientistas? E ainda, seria mesmo necessário incluir gênero como um tema relevante na análise?
É sutil o preconceito no dia a dia. É comum que cientistas se surpreendam com a possibilidade de que o gênero de autora(e)s e a presença do tema nos artigos influenciem a avaliação. É aqui que a presença das mulheres na editoria científica é fundamental. Mas mesmo em áreas com predomínio de mulheres, por exemplo a psicologia, cerca de 60% dos editores são homens.
Cadernos de Saúde Pública vem trabalhando nessa direção. Somos atualmente três editoras-chefes e entre 41 editores associados aproximadamente 60% são mulheres. Procuramos dar espaço para abordagens científicas que analisem gênero e raça/cor nos artigos. Sem jamais perder de vista a qualidade e a relevância da publicação, está mais do que na hora de aumentar, e muito, nossa presença nesses espaços."
Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário (CIADS)
Sandra Mara Campos Alves, editora-chefe do CIADS
“Ser cientista e mulher não é tarefa fácil, nos sobrecarregamos com as atribuições próprias dos diversos papéis que desempenhamos… Somos mãe, esposa, cientista, e às vezes, tudo ao mesmo tempo… A presença de cientistas mulheres vem ganhando cada vez mais destaque e, no caso do CIADS, nos orgulhamos de ter um periódico em que a presença feminina ocupa papel de destaque. Somos maioria nas funções de editoras, autoras e pareceristas. Contudo, isso não significa que superamos os desafios ligados à desigualdade de gênero nessa área. Precisamos atuar sempre para que, o que foi duramente conquistado por aquelas que nos antecederam, prospere! O dia 8 de março não é para ser romantizado, mas é um símbolo de uma luta antiga pela igualdade de gênero. O CIADS lança, na data de hoje, um dossiê especial que discute os direitos reprodutivos e saúde da mulher, buscando contribuir para a efetivação do direito à saúde em todas as suas perspectivas.”
Memórias do Instituto Oswaldo Cruz
Hikmat Zein, editora executiva do Memórias
“Dentro deste fascinante e concorrido cenário de pesquisa e publicação científica, as mulheres se destacam por realizar atividades importantes, sobretudo no atual cenário de transformações e dinâmico. Ainda que elas representem um número significativo na comunicação científica, à medida que se avança para as áreas estratégicas, ainda ouvimos o termo “a primeira mulher a ocupar o cargo: ....”.
Na publicação científica não seria diferente, e o periódico centenário como as Memórias e tantos outros, diferem nesse aspecto, pois possuem mulheres em seu quadro, inclusive atuando como Editora Chefe, na sua Equipe Editorial e Editores Associados. “
Revista de Alimentação e Cultura das Américas (RACA)
Denise Oliveira e Silva, editora-chefe da RACA
“Vejo nesse Dia Internacional da Mulher que essa experiência de ser editora chefe da RACA e ser mulher negra me permite dialogar sobre pontos de vista que não eram pontos valorizados e que para nós, é fundamental. Hoje falo de uma revista de alimentação, a alimentação não é apenas para você atender aos seus requerimentos biológicos. Com a alimentação, você está atendendo o seu prazer, a sua alma. A cultura do seu povo. E curiosamente, a maioria dos estudos na área de cultura mostra que esse cuidado alimentar, ele é feminino. E a gente vê também, até pelos estudos já publicados na RACA que esse espaço de preparação da comida, de fazer horta e de produção de alimentos, ele também é muito feminino.
Então eu creio que a RACA, ela me permitiu exercer esse papel. E eu falo também de ser mulher negra, de trazer questões sobre a população negra. O que a gente hoje está estudando? Terreiros, comida de santo, os fatores religiosos que também concorrem nas escolhas alimentares. Além disso, o movimento LGBTQIA+, ele nos ensina muito sobre as fronteiras de gênero. Elas têm de ser plurais e de uma convivência de olhares. É por meio do gênero feminino que a gente vai superar os problemas contemporâneos.”
Revista Fitos
Rosane de Albuquerque dos Santos Abreu, editora executiva da Fitos
“Tal como na sociedade, o número de mulheres cientistas e editoras de revistas científicas é bem menor que dos homens. Sabemos que essa é uma das mazelas históricas que estamos tentando reverter nesse século.
Pessoalmente, nunca me intimidei diante das dificuldades. Iniciei minha trajetória como pesquisadora na década de 1980 e fiz parte de grupos que lutavam pelo reconhecimento da pesquisa na área de humanas, pelo uso de metodologias qualitativas, voltadas para a pesquisa em educação, minha área de origem.
Como editora executiva da revista, procuro me manter atualizada e assumindo minha função com firmeza, mas com capacidade de constante aprendizado. Quando assumimos a postura de aprendizes perenes, nada nos impede, mesmo as dificuldades são estímulos para superação.
Espero ver mais cientistas e editoras envolvidas com a Ciência, uma área para aqueles que são curiosos, que amam aprender e vencer desafios.”
Trabalho, Educação e Saúde (TES)
Angélica Ferreira Fonseca, editora-científica da TES
“A Trabalho, Educação e Saúde completa 20 anos em 2023. Apenas há 3 ou 4 anos, percebi que um parágrafo que informa aos autores sobre o nosso fluxo, continha a seguinte frase: “Na primeira etapa de avaliação os editores julgam a pertinência do tema...” A frase não conduz a um estranhamento imediato para quem desconhece o fato de que a editoria científica da TES nunca, repito, nunca, contou com um homem em sua composição. Não foram outras pessoas que redigiram o parágrafo, fomos nós mesmas, mulheres, pesquisadoras, editoras, que em algum momento optamos pela linguagem no gênero masculino, contribuindo assim para perpetuar a invisibilidade do trabalho de mulheres no fazer científico.
Não é sem constrangimento que torno público esse fato, mas o faço porque o cotidiano tem a força de prover inúmeros dispositivos analisadores desse contexto, que hoje conta com fortalecimento de pesquisas sobre desigualdade de gênero nas ciências que trazem densidade ao debate. São vertentes diversificadas de investigações que nos permitem identificar problemas e compor pautas políticas que afetem a produção social da ciência.
Estudos que nos informam sobre a desigualdade na distribuição de bolsas de pesquisa, o impacto das atividades de cuidado (de menores e de parentes idosos) no percurso profissional; a permanente necessidade de afirmar nossa capacidade no exercício de um trabalho com forte carga intelectual e que nos ajudam a olhar de frente para o fato de que a inserção de mulheres negras e da recente geração de pesquisadoras indígenas traz particularidades ainda mais desafiadoras para a implementação de uma agenda que conecte diversidade e combate às iniquidades. As revistas científicas têm um papel específico, ainda não plenamente identificado nesse empreendimento. Algo para fazermos juntas.”
Vigilância Sanitária em Debate: Sociedade, Ciência & Tecnologia (Visa em Debate)
Simone Nascimento Teixeira, secretaria executiva da Visa em Debate
"Minhas reflexões me remetem a minha educação, uma educação pautada em “lavar, passar e cozinhar”, consequentemente isso fez com que eu tivesse uma profissionalização tardia e um pouco limitada. As questões de gênero estavam nitidamente enraizadas no meio familiar! Terminei o ensino médio aos 17 anos e só ingressei na universidade aos 30, porém não parei mais.
Foram muitos desafios! Mas a vontade de aprender me fez seguir em frente. Sigo aprendendo diariamente com todas as experiências que vivo, entre elas a produção de um periódico científico. Acredito que o incentivo familiar seja fundamental para a participação da mulher na ciência. Acreditar que você é capaz é superar limites!"
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