Neste sábado, 10 de março, o Portal de Periódicos Fiocruz, comemora três anos. Para marcar esta data, e encerrar a série especial desta semana em homenagem ao Dia Internacional da Mulher (8/3), convidamos a editora-chefe da revista Ciência e Saúde Coletiva (C&SC), Maria Cecília de Souza Minayo.
Graduada em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em Ciências Sociais pela Universidade do Estado de Nova York, Minayo é mestre em Antropologia Social pela UFRJ e doutora em Saúde Pública pela Fiocruz. Sua experiência na área de saúde coletiva dá ênfase aos temas de violência e saúde, sendo ela coordenadora científica do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves), vinculado à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). Além de editora-chefe da C&SC, é membro do Conselho Editorial de mais de uma dezena de periódicos científicos, incluindo publicações estrangeiras.
Nessa entrevista, Cecília Minayo traz toda sua experiência para debater o contexto de crise e cortes no financiamento à pesquisa e às revistas, afirmando: “Seria importante haver um fórum coletivo das revistas e dos gestores institucionais para discutir uma mudança de cultura. Seja do financiamento justo dos periódicos pelas instituições, de forma a não exigir dos editores que busquem o sustento do periódico; seja do financiamento da publicação pelos autores como um processo adotado por todos”. Leia a entrevista, na íntegra, a seguir:
Portal de Periódicos Fiocruz: Quais são as principais consequências dos cortes de recursos das agências de financiamento à pesquisa para as publicações científicas?
Cecília Minayo: No Brasil, o Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) nunca valorizou as publicações nacionais, que são a última das várias etapas de produção do conhecimento. Financia-se a pesquisa, mas não sua divulgação. Isso é diferente de outros países em que o financiamento para os periódicos é garantido e compreendido. Numa reunião da SciELO, um gestor de CT&I da China nos disse que lá, nos últimos anos, a gestão das revistas que publicam o que é produzido no país fica no gabinete do presidente, tal é a importância que conferem a essa etapa científica dentro da meta que tem seu governo, a de se tornar um país tão desenvolvido quanto os do chamado Primeiro Mundo.
Aqui no Brasil, parece que a gestão das revistas é uma coisa menor, “culpa e responsabilidade do editor”, que tem que se virar para conseguir recursos e cumprir todas as exigências das bases de indexação e classificação: assiduidade, presteza, correção, atividades técnicas inerentes ao trabalho, e a tradução dos artigos para o inglês. É um paradoxo porque, quanto menos recursos e menos apoio os periódicos recebem, mais eles são demandados, dado o avanço do Sistema Nacional de Pós-graduação. Por exemplo, a revista Ciência & Saúde Coletiva recebeu 3.850 originais em 2017. Tem pouquíssimos funcionários, e todos trabalham com dedicação absoluta e muita pressão.
Então, os cortes absurdos dos recursos (poucos e insuficientes) tornam mais difícil manter uma revista e colocá-la à disposição dos autores e dos leitores. Para se ter uma ideia, há três anos a C&SC recebia R$ 50 mil – quantia absolutamente irrisória para se manter uma revista mensal, que divulga 30 artigos e promove a tradução da maioria para o inglês. Hoje, o auxílio que ainda não chegou (chegará?) é de R$ 25 mil. Eu tenho uma hipótese de que os nossos gestores federais do Sistema têm pouca estima pelos periódicos do Brasil. Certamente eles valorizam muito mais as publicações estrangeiras (diga-se, publicadas nos Estados Unidos, prescindindo da qualidade e da importância do mercado de leitores brasileiros.
PP: Diante deste cenário de limitações, que estratégias podem ser adotadas para diminuir o impacto destas medidas, no sentido de garantir a sustentabilidade e qualidade dos periódicos?
Cecília Minayo: Creio que cada periódico tem adotado estratégias particulares. Muitos passaram a cobrar para submeter o original, para publicá-lo e para traduzi-lo para o inglês, e utilizam os parcos recursos institucionais para manter os profissionais que trabalham no cotidiano. A C&SC, infelizmente, tem passado o pires. Como a revista é temática, sempre pede aos editores convidados que consigam recursos com instituições interessadas nos temas que divulgam. Quando não conseguem, a revista é publicada da mesma forma. A Fiocruz oferece à revista local e meios de trabalho e, nos últimos anos, tem colaborado com bolsas para cobrir algumas etapas técnicas do processo de editoração. Em geral, a revista pede ao autor que, caso lhe interesse, financie a tradução do artigo para o inglês, e lhe oferece uma lista de tradutores credenciados. Como se pode observar, tudo é de uma provisoriedade absoluta e incapaz de manter um processo de divulgação sustentado. Mas, é o que se tem neste momento.
PP: Como as políticas de acesso aberto podem influenciar este contexto?
Cecília Minayo*: Considero que a política de acesso aberto atua a posteriori do processo de produção da revista. Na verdade, o acesso aberto é quase um consenso no Brasil e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) apoia - com o pouco que apoia - somente as que estão em acesso aberto. Ou seja, hoje o fato de ser uma revista de acesso aberto no país não muda a quantidade de recursos destinados aos periódicos e nem a mentalidade institucional dos responsáveis pelas agências de fomento quanto à importância das publicações.
PP: O tema do próximo Congresso da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que será sediado pela Fiocruz, trata do fortalecimento do SUS, dos direitos e da democracia. Neste sentido, como as ações de divulgação científica - que passam pelo acesso à produção e publicações - podem contribuir para o debate sobre o papel dos periódicos e da própria ciência junto à sociedade?
Cecília Minayo: Esta é uma expectativa justa, mas não certa. Por exemplo, C&SC mobilizou a inteligência da área de saúde coletiva para produzir um número temático que analisou os 30 anos do SUS [Sistema Único de Saúde]. Creio que este será um presente para os participantes: ver reunidos mais de 80 autores discutindo a área com informações, dados quantitativos e qualitativos e análises do passado e do futuro. No entanto, acredito ser muito difícil que os autores e leitores valorizem o ingente esforço empreendido no processo. Pois, o mesmo autor que quer seu artigo publicado critica os periódicos por estarem cobrando para publicar.
Realmente, penso que seria importante haver um fórum coletivo das revistas e dos gestores institucionais para discutirmos uma mudança de cultura: seja do financiamento justo dos periódicos pelas instituições, de forma a não exigir dos editores que busquem o sustento do periódico; seja do financiamento da publicação pelos autores como um processo adotado por todos.
PP: A senhora é uma mulher, pesquisadora das ciências sociais em saúde (campo ainda ofuscado pelas chamadas "ciências duras") e reconhecida por sua contribuição a temas relacionados às minorias. A despeito de todas estas dificuldades, é um exemplo de quem teve êxito e reconhecimento profissional. Nesta semana da mulher, poderia deixar uma mensagem para as mulheres - e também os homens - sobre o fazer científico na atualidade e a igualdade de gênero?
Cecília Minayo: Minha mensagem é: o campo científico é uma escolha e uma responsabilidade seja para homens, seja para mulheres. Não podemos desistir ou nos deixar levar pela tentação do desânimo e da rotina. E, para nós, que trabalhamos com saúde, um tema tão sensível socialmente, eu repetirei a frase que Bertolt Brecht colocou na boca de seu Galileu Galilei: “Para que serve a ciência se não for para aliviar o sofrimento da humanidade?”.
Roberta Cardoso Cerqueira é editora executiva da revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos e editora convidada do Portal de Periódicos Fiocruz.
Flávia Lobato é jornalista e atua como editora de conteúdo, na comunicação e divulgação do Portal de Periódicos Fiocruz.
*Atualizada em 21/3/2018 .
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