Marcos Cueto, editor de HCS-Manguinhos, critica necropolítica no Brasil

Marina Lemle (Blog de HCS-Manguinhos) | Foto: IEP

“Um trágico feedback entre a pandemia e respostas oficiais irracionais”. Assim se caracteriza o primeiro ano da Covid no Brasil, segundo o históriador Marcos Cueto, novo presidente da Divisão de História da Ciência e da Tecnologia da União Internacional de História e Filosofia da Ciência e Tecnologia (DHST/IUHPST).

Editor-científico da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos e professor do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Cueto tomou posse como presidente da DHST no 26º Congresso Internacional de História da Ciência e da Tecnologia, realizado online de 25 a 31 de julho de 2021. Ele foi eleito no congresso anterior, no Rio de Janeiro, em julho de 2017. 

Cueto participou do simpósio Pandemics, science, and society com a palestra “Chloroquine: science, pandemic, and pandemonium in Brazil”. De acordo com o historiador, a “fixação” do governo brasileiro com a cloroquina não se baseou apenas na negação da ciência.

“A cloroquina forneceu uma oportunidade para mostrar que estava se fazendo algo tangível para o público – neste caso, criando esperanças de uma ‘bala de prata’ e dando às pessoas uma sensação de segurança para continuar trabalhando e desobedecer o distanciamento social e os lockdowns. Além disso, foi uma maneira de cooptar alguns médicos e dividir a comunidade científica, eludir as pesquisas sobre a corrupção no governo e adiar a compra de vacinas”, atesta Cueto.

Para o professor, a promoção autoritária da cloroquina fez parte de um esforço de manipulação da ciência e da medicina e pode ser entendida a partir do conceito de necropolítica, idealizado pelo historiador e filósofo camaronês Achille Mbembe. Cueto cita três motivos: primeiro, a droga desviou a atenção das condições precárias de vida entre os indígenas e afro-brasileiros, cujas mortes tornaram-se naturalizadas e consideradas fortuitas – e não uma responsabilidade do Estado; em segundo lugar, a cloroquina reforçou a tendência de compromissos mínimos do Estado para os pobres, por exemplo, obliterando esforços para implementar testes e fornecer oxigênio; por fim, a cloroquina não interferiu em um dos objetivos do governo: a destruição dos povos indígenas na Amazônia e o uso de suas terras para agricultura comercial e mineração – segundo muitos especialistas, um genocídio.

“Em suma, a cloroquina foi parte de uma necropolítica governamental, ao ser parte da decisão sobre quem poderia viver e quem sofreria e morreria durante a pandemia”, afirma Cueto.

Resistência ao negacionismo

Segundo o historiador, como presidente da DHST/IUHPST, ele poderá contribuir mais com a resistência ao negacionismo científico e o nacionalismo científico que prevalecem em muitos países do mundo. “É uma oportunidade para demonstrar a crucial importância do conhecimento histórico na compreensão do desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da saúde e a utilidade dessas histórias para o progresso da sociedade. Importante também para promover a colaboração entre historiadores de diferentes países e salientar as contribuições dos países do Sul Global no acervo internacional do conhecimento”, explica.

Ele enfatiza a participação no Conselho da DHST de Thomas Haddad, destacado professor da Universidade de São Paulo, que é um reconhecimento a sua trajetória acadêmica e as conquistas dos pesquisadores brasileiros reunidos na Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC). Haddad também foi eleito presidente da comissão Ciência e Império, que faz parte da Divisão, e representou a SBHC na Assembleia Geral da Divisão.

Também compõem o Conselho Janet Browne, professora do Departamento de História da Ciência da Universidade de Harvard, como President Elect; Takehiko Hashimoto, professor de História da Ciência na Universidade de Tóquio, que participará como primeiro vice-presidente; e Hasok Chang, professor do Departamento de História e Filosofia da Ciência da Universidade de Cambridge, Inglaterra, que atuará como segundo vice-presidente. Integram ainda a nova diretoria Liesbeth De Mol, da França, que ficará responsável pela secretaria-geral; Milada Sekyrokova, da República Tcheca, chefe do tesouro; além de seis destacados historiadores da China, Grécia, França, Rússia, Índia e Nova Zelândia, que atuarão como assessores. 

Nos próximos quatro anos, esta gestão cumprirá funções como promover a cooperação entre historiadores de diferentes países, tanto na pesquisa quanto no ensino e na proteção de documentos e patrimônios, e articular atividades com a Divisão de Lógica, Metodologia e Filosofia da Ciência e Tecnologia (DLMPST, sigla em inglês), uma vez que ambas integram o International Science Council, que reúne sociedades científicas e academias nacionais de ciências de todo o mundo.

No congresso realizado em julho, foi feito um agradecimento especial a Catherine Jammi e Michael Osborne, que atuaram como secretária geral e presidente da Divisão, respectivamente, nos últimos quatro anos. O próximo congresso – o 27º – será em Dunedin, Nova Zelândia, em 2025.

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