Marcelo Di Renzo é presidente da Abeu
Eles fazem uma bela dupla, que se complementa: o artigo científico e o livro acadêmico. O primeiro “retrata o fragmento de uma construção científica em processo”, destinado à comunicação de resultados e ao diálogo com a comunidade. O outro “traz a solidez do conhecimento, da vivência, de um saber maduro”. A reflexão é do professor Marcelo Di Renzo, coordenador da Editora Leopoldianum da Universidade Católica de Santos (UniSantos) e atual presidente da Associação Brasileira das Editoras Universitárias (Abeu).
Em comemoração ao Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor (23/4), o Portal de Periódicos Fiocruz propôs um diálogo entre seu coordenador geral e também editor científico da Editora Fiocruz, Carlos Machado de Freitas, e Di Renzo. A conversa girou em torno dos quatro eixos do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL): democratização do acesso; fomento à leitura e formação de mediadores; valorização institucional da leitura e incremento de seu valor simbólico; e desenvolvimento da economia do livro. O resultado é uma reflexão sobre como as editoras universitárias podem contribuir para o fortalecimento do livro e da leitura no país.
Carlos Machado de Freitas: As editoras universitárias têm sido criativas em favor da democratização do acesso ao livro acadêmico, promovendo iniciativas como livrarias móveis e eventos culturais. Nesse sentido, que ações da Abeu destacaria?
Marcelo Di Renzo: De modo geral, as associadas da Abeu desenvolvem um trabalho muito produtivo de relacionamento com as comunidades regionais onde estão inseridas. A discussão sistemática sobre essas iniciativas – tratadas em sessões especiais durante nossas reuniões anuais – contribuiu para ampliar as ações em conjunto, destacando-se eventos de maior porte, como feiras regionais organizadas pelas editoras universitárias. Além de estimular e apoiar essas ações, a Abeu participa de feiras de livro no Brasil e no exterior, com estande próprio ou compartilhado, oferecendo condições para a exibição e comercialização da produção acadêmica. Temos ainda o catálogo virtual no site, que possibilita o acesso à produção das editoras filiadas, e investimos numa estratégia de comunicação nas redes sociais, divulgando lançamentos e iniciativas, que tem apresentado bons resultados. Para este ano está previsto um circuito internacional de exposição de títulos das associadas, em parceria com o Ministério das Relações Exteriores.
Carlos Machado de Freitas: Além do acesso, a apropriação social do livro acadêmico tem sido uma preocupação da Abeu – o tema inclusive, já foi pauta da revista Verbo. Como a Associação tem avançado?
Marcelo Di Renzo: Essa questão está muito presente entre as associadas, até porque várias editoras universitárias se originaram de setores de pesquisa e extensão da instituição de ensino. O diferencial foi incluir o tema na agenda da Associação. Há dois momentos importantes que merecem ser destacados. Em 2010, a revista Verbo, editada anualmente pela Abeu, foi convertida numa publicação que trata, preferencialmente, do livro e da leitura. Assim, ampliou-se a visibilidade e difusão de reflexões acadêmicas, experiências e perspectivas a respeito desse assunto. Já em 2014, a questão foi o tema central da reunião de Campina Grande (PB), possibilitando um amadurecimento acerca da apropriação social do conhecimento e do papel do livro acadêmico. Cabe mencionar também o documento Brasil, Nação Leitora, assinado pelas principais entidades do setor livreiro, exigindo do Estado que mantivesse os investimentos nos programas sociais de aquisição de livros.
Carlos Machado de Freitas: Muitas associadas da Abeu, como a Ed. Fiocruz, pertencem a instituições que editam livros e periódicos. Como analisa a questão do livro acadêmico na atualidade, tendo em vista um sistema de avaliação científica pautado pela produtividade, cada vez mais aferida em termos de quantidade de artigos publicados?
Marcelo Di Renzo: A produção científica é uma mercadoria cara e muito valorizada. O Brasil tem o compromisso formal de tornar mais robusta a educação em todos os níveis, incluindo a pesquisa e a extensão, em busca de reconhecimento internacional. A exigência de uma produtividade mensurada pela publicação é uma decorrência ainda jovem desse processo e, portanto, sujeita a necessárias acomodações.
Uma das preocupações do setor de periódicos, expressa em recente evento da Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec), é o plágio. Em relação aos livros, já é comum encontrar pesquisadores que, em vez de planejarem uma obra sozinhos, preferem propor uma produção com diferentes autores. E há editoras que projetam livros que possam ser comercializados por capítulo. Esse cenário pode sugerir que o livro acadêmico estaria ameaçado dentro de sua própria instituição. Mas não é bem assim. O artigo acadêmico retrata o fragmento de uma construção científica em processo, já que resulta de uma determinada pesquisa. Portanto, destina-se à comunicação de resultados e ao diálogo com a comunidade. O livro, por sua vez, traz a solidez do conhecimento, da vivência, de um saber maduro. São produções distintas, mas ambas são “parte constitutiva da maturidade intelectual da universidade”, como diz o professor José Castilho Marques Neto, secretário executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). O livro, no entanto, tem o sentido da perenidade. Recorro aqui uma lembrança de João Canossa, editor executivo da Editora Fiocruz, citando Jorge Luiz Borges: “O livro é lido para eternizar a memória”.
Carlos Machado de Freitas: Quais são hoje os principais desafios da economia do livro acadêmico?
Marcelo Di Renzo: Algumas das propostas do Eixo 4 do PNLL, que trata do desenvolvimento da economia do livro, estão em curso, com ritmos diversos. Por exemplo: até 2020 está em vigor um programa de apoio à tradução do livro brasileiro para publicação no exterior, sob a orientação da Biblioteca Nacional. O investimento em um programa de feiras no exterior, organizado em conjunto pelos ministérios das Relações Exteriores e da Cultura, começou a acontecer este ano, com uma proposta inicial de 15 eventos. No ano passado, realizamos a primeira edição do Prêmio Abeu. Mas ainda há muito por fazer. A Associação apresentou, junto com as principais entidades do setor livreiro, a proposta de uma lei para regular o mercado, buscando evitar uma ação predatória de gigantes do setor editorial. O projeto está tramitando no Congresso. Uma necessidade é assegurar às editoras universitárias uma inserção formal na legislação educacional, de modo a garantir maior segurança jurídica e trabalhista, além de recursos para a produção de títulos. A internacionalização é outro desafio, que exige investimentos e profissionalização. Este mês, por exemplo, editores brasileiros e portugueses se reuniram na Universidade de Coimbra, para tratar desta questão. Observa-se um movimento de organização de editoras universitárias em diferentes países, com o objetivo de conhecer melhor suas diferenças e semelhanças, buscando superar desafios com urgência e construir agendas de cooperação.
* Colaborou Fernanda Marques
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