Fake news, ciência, política e democracia em pauta

Reciis

 

O mundo vive uma série de crises: sanitária, econômica, política, social, humanitária. Neste cenário, é factível que se trave uma disputa de narrativas: vivemos na sociedade da pós-verdade, em que proliferam informações de baixa qualidade ou mesmo falsas, que servem a ações autoritárias. O tema, ganhou ainda mais repercussão com a circulação global do novo coronavírus. Na terça-feira (28/7), às 15h, ganha espaço na Academia Brasileira de Ciências, que promove o webinário Ciência e mídia na pandemia. O evento online reunirá cientistas e jornalistas para tratar do valor da ciência no enfrentamento da crise e a importância da informação de qualidade.

Mas que modelos orientam a mídia brasileira na produção de informações e discursos? Este é um dos principais objetos de pesquisa de Afonso de Albuquerque, doutor em comunicação e cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor titular do Departamento de Estudos Culturais e Mídia do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense. Seus trabalhos abordam a adaptação de modelos importados dos Estados Unidos e do ocidente europeu no Brasil, e que escamoteiam ações autoritárias entre governos.

Aprofundando a reflexão sobre fake news, ciência, política e democracia, o Portal de Periódicos Fiocruz publica um trecho da entrevista que Albuquerque concedeu à Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde (vol. 14, n. 1, jan-mar/2020), em edição que traz um dossiê sobre fake news. Destacamos, aqui, o debate sobre o fenômeno, o processo de deslegitimação e ataque de instituições associado à escalada de outros atores que buscam assumir o “monopólio da verdade”.

Neste contexto, Albuquerque traz conceitos, elementos teóricos e material de suas pesquisas, para discutir a atuação da mídia, de agências de fact checking, assim como a de corporações de pesquisadores. Incluídos aí distorções de sistemas de avaliação da produção científica, afirma ele, que realizou um estudo sobre o corpo editorial das revistas que constam no Journal Citation Reports (JCR). “De 6 mil pessoas, 56% são norte-americanos, 75% estão nos países anglófonos principais como Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia; 90% estão no Ocidente. Dentre os 6 mil membros desses corpos editoriais, apenas 30 são da China, o país mais populoso da Terra e a segunda maior economia global. O que isso produz? Um sistema de certificação da verdade na academia”, afirma.

E você, quer entender melhor como todos estes temas se cruzam e influenciam a sociedade? Então, confira a entrevista e saiba mais.

Reciis: Como observa o conceito das fake news e suas relações com a política, a economia e a cultura?

Afonso de Albuquerque: O primeiro elemento do conceito de fake news é que ele é parte de um conjunto de conceitos que brotaram feito cogumelos. Surgiram do nada. O texto mais citado sobre fake news é Social media and fake news in the 2016 election, a cada dia ganha duas ou três referências. É um texto de economia. Todos esses textos vêm de economia. Antes de refletir sobre o conceito de fake news, quero entrar no contexto no qual esse conceito surge. Hoje, a academia norte-americana, em particular, é uma câmara de eco de think-tanks. As relações corporativas impactam de uma maneira tremenda. A área da comunicação surge nos Estados Unidos financiada por fundações. Muitos conceitos são promovidos por fundações, como Rockfeller e outras. A Ford funda várias áreas do pensamento da ciência política norte-americana nos anos 1950 e 1960. Muitos autores da ciência política dos quais se ouve falar hoje entraram na universidade nesse período e entraram porque a Fundação Ford dizia: “Vocês ganharam 1 milhão de dólares e vocês colocaram estas dez pessoas aqui dentro”. E, logo após isso, essas pessoas mudaram o panorama do pensamento político norte-americano. Criaram, por exemplo, um pensamento político norte-americano que define a democracia por meio de referência às instituições políticas em detrimento da referência ao povo. Os brasileiros vão aos Estados Unidos aprender a reproduzir esse modelo que impacta até hoje o país.

Em relação ao jornalismo, é muito interessante pensar nesse debate, no contexto da Primeira Guerra, a partir de Lippmann. O pensamento de Lippmann é ecoado loucamente. Ele é o verdadeiro autor do conceito de fake news. Todo o pensamento de fake news vem de Lippmann, pois se baseia numa ideia de verdade absoluta. Não dá para falar em fake news sem falar no seu oposto, e é isso o que as pessoas fazem. Se existem fake news, há algum tipo de news que não seja fake. Isso implica em dar a alguém o poder de definir uma coisa e outra e adotar políticas de contenção. Na verdade, o modelo norte-americano de jornalismo, o modelo de objetividade jornalística, bebe muito dessa vocação tecnocrática que Lippmann estabelece ao apontar que, para que as pessoas possam conhecer o mundo, elas devem ter boas informações. O jornalismo deveria, então, ser um aparato de averiguação dessas informações, tanto que a epígrafe de um dos seus livros é a do mito da caverna, de Platão. Platão que era um autor que se opunha à democracia, porque tinha acesso ao conceito de verdade. Isso se aplica também a Lippmann.

Uma autora extremamente importante dentro desta discussão é Kathleen Hall Jamieson. É a pessoa que ofereceu não apenas o fundamento intelectual, mas ajudou a estruturar a lógica das agências de fact checking, que começam dentro da universidade. Existe aí um discurso de verdade produzida, mas quem produz essa verdade? Na medida em que você define o que é verdade, você tem poder. A emergência do conceito de fake news é fortemente ligada às eleições de Donald Trump e a uma mitologia da intervenção russa na eleição norte-americana, um autor que fala sobre isto é Oliver BoydBarrett. Esses acontecimentos têm a ver com o contexto em que o poder de intervenção política dos EUA aumenta imensamente sobre o resto do mundo já que mundo todo passa a se comunicar por mídias sociais originadas naquele país. Assim, cada vez mais abertamente, adota-se a agenda norte-americana, num contexto em que a academia é corporativizada.

Fake news é uma definição que a Unesco, por exemplo, não utiliza. Ela trabalha com os termos disinformation e misinformation. Misinformation é informação errada e disinformation é a informação propositalmente errada. Fake news é um conceito mais popular, fácil de ser entendido. É um conceito que tem pouquíssima densidade teórica. É o mal do nosso tempo. Nós vivemos num mundo em que a densidade teórica foi secundarizada. A universidade não tem mais a preocupação com um rigor conceitual. Isso passa por uma lógica que é muito marcante na pesquisa internacional, que eu acho muito ruim, que são as pesquisas empíricas. As pessoas comparam e medem coisas sem saber o que estão fazendo. Montam grupos de pesquisas internacionais, fazem pesquisas quantitativas ou qualitativas que, de fato, não deduzem nada e são pouco antenadas com o que está acontecendo no momento. O poder que você tem de difundir essas coisas é muito grande.

Uma das principais empresas que publica dados sobre artigos acadêmicos é a Clarivate Analytics que, junto com o Web of Science Group, atualmente mantido por ela, todo ano atualiza o Journal Citation Reports (JCR). Trata-se de um relatório de citações que fornece uma série de informações e avaliações das revistas acadêmicas consideradas relevantes; isso possibilita escolher em quais delas apresentar um artigo para publicação. Fora isso, há um conjunto de agentes que exerce um papel tremendamente poderoso como gatekeeper da ciência internacional. Esse conjunto de agentes é muito pequeno. Fizemos um estudo em que avaliamos o corpo editorial das revistas que constam no JCR: de 6 mil pessoas, 56% são norte-americanos, 75% estão nos países anglófonos principais como Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia; 90% estão no Ocidente. Dentre os 6 mil membros desses corpos editoriais, apenas 30 são da China, o país mais populoso da Terra e a segunda maior economia global. O que isso produz? Um sistema de certificação da verdade na academia. Se você quiser ter uma carreira bem-sucedida, você tem que publicar num periódico bem qualificado. Se você quiser publicar num periódico bem qualificado, você tem que ser avaliado por pessoas desses países. Contudo, se usa como a base a instituição em que o pesquisador trabalha e não seu país de origem. Sou brasileiro e nunca estudei ou trabalhei fora. Minha experiência é 100% no Sul. No estudo que fizemos, foram analisadas as revistas e os artigos internacionais de pessoas desse tipo de formação, o que corresponde a 0,5% do total. As revistas não têm nenhum autor com esse perfil e isso é um grau de controle.

Tem a ver com as fake news porque tem a ver com a capacidade de definir a verdade. Todas as universidades, a nossa própria, ficam muito felizes quando melhoram o ranking, mas de fato o ranking existe para que nós sejamos menos relevantes do que as universidades do centro. É algo medido por critérios anglófonos, espalhados por instituições anglófonas, que privilegiam a anglofonia. Existem alguns países que conseguem se sair muito bem nesses rankings. Cingapura, por exemplo, é bem avaliada, mas por quê? Seus pesquisadores são formados praticamente nos EUA. A Universidade do Texas tem um centro de estudos latino-americanos, um centro de formação de jornalistas ligados às fundações norte-americanas. Jornalistas da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) estão associados a isso, por exemplo.

Ou seja, você tem um processo de formação de imaginário, de formação de agenda, que teve um impacto gigantesco sobre o nosso passado recente. Para exemplificar: a agenda da corrupção. Como se define a corrupção? Por meio do Banco Mundial. Corrupção é o abuso do cargo público. Nunca a corrupção é alguma coisa evidente. É por isso que as empresas na história brasileira não são punidas. Corrupção é uma maneira de punir cargos públicos e o jornalismo dito investigativo é uma arma dentro desse processo. Ou seja, existe um problema relativo à noção de verdade. Pensando mais sobre a questão da mídia, tudo aquilo que os ocidentais exigem de liberdade de imprensa para a sua mídia, negam para as mídias de outros países porque elas são fake news. Assim, eles criam um sistema no qual você pode violar o princípio de liberdade de expressão em nome do princípio de liberdade de imprensa. É isso que a ideia de fake news faz, pois ela estabelece a informação dotada de status de verdade.

Reciis: Como você vê o papel dos jornalistas e das empresas no contexto das fake news?

Afonso de Albuquerque: O que acontece com as fake news é que são definidas por um sistema no qual há uma relação entre agências, órgãos da grande imprensa, mídias sociais, o Judiciário, o Departamento do Estado norte-americano e grandes corporações, think-tanks e a Abraji. Há todo um conjunto de elementos que cria um discurso de monopólio de verdade. Ministrei uma aula inaugural na PUC-RS e o título era ‘O Ministério Privado da Verdade’. Tratava-se de uma característica da lógica do neoliberalismo sem controle, que se tornou a base do mundo contemporâneo. Tudo agora é rigorosamente apenas o mercado por meio das empresas. As empresas assumem a função do Estado.

Em relação às fake news, cria-se um negócio chamado de agência fact checking. Essas agências não têm epistemologias de fato, são discursos frouxos. Primeiro elemento interessante sobre fact checking é que quem deveria fazer são os jornalistas. No contexto em que o jornalismo se transforma numa atividade que não verifica nem checa a informação, surge uma organização corporativa da verdade, as agências de fact checking, que produzem narrativas focadas no erro. A grande experiência de fact checking é que tudo é fake em algum grau. No final do governo Dilma, diversas afirmações falsas foram veiculadas pela grande imprensa, como a que a empresa Oi havia instalado uma torre de telefonia só para Lula. Isso foi uma mentira que foi massivamente reproduzida pela imprensa e nunca foi checada. No debate sobre as fake news não se avalia a imprensa. A discussão sobre as fake news enfatiza a avaliação de certos discursos. Por exemplo, tudo que Lula fala pode ser conceituado como fake news.

Reciis: Que relação há entre as fake news, a autoridade da grande imprensa e identidade do jornalista?

Afonso de Albuquerque: O discurso das fake news é um discurso de reivindicação de monopólio da verdade. Por outro lado, ele é um discurso que pode ser capturado por diferentes agentes. É um discurso negativo. As fake news surgem como consequência da quebra de autoridade do jornalismo, o que pode ser visto por várias perspectivas. Uma é esta, a de que o jornalismo produz muitas notícias, cada vez mais, com menos controle de qualidade. É o caso de notícias como: “Caetano Veloso estaciona o carro no Leblon”, “Fulano é fotografado no shopping”. Cada vez menos se evidencia aquele lugar de autoridade dos anos 1950, porque o discurso corporativo da mídia matou o jornalista. Matou aquilo que dava o elemento de distinção para a atividade. Na verdade, a grande questão é que você precisa ter um ethos profissional para você sustentar um produto comercial. Agora, quando você quer um produto do qual não se tenha um controle absoluto, ele perde o seu caráter de distinção. Ele é mais rápido e é mal feito.

Segundo aspecto: quando o modelo de jornalismo norte-americano foi exportado, ele passou a servir de base para modelos de jornalismo com conteúdos diferentes. Exemplifico: a Al Jazeera já foi nomeada por Hillary Clinton como uma ameaça aos interesses estratégicos dos EUA. A Al Jazeera é tudo, menos radical. O que a ela não faz é criticar o governo do Catar. Defende as posições do Catar e fala com o público panárabe. Ela incorporou o modelo da BBC Ásia e sua linguagem é muito semelhante à linguagem da CNN e da BBC. Na verdade, se a gente observar, talvez a Al Jazeera seja muito mais informativa que a CNN. Nas manchetes da CNN, há basicamente um título chamativo, sensacionalista, sobre um fenômeno não concreto. Não é mais notícia.

Sobre isso, alguns autores falam de crise epistemológica mais generalizada das instituições de produção do conhecimento, como a ciência. Fizemos um trabalho sobre divulgação científica no qual foi analisado o canal do Youtube do professor Terra Plana. Ainda assim, na chamada era de ouro da objetividade jornalística na cultura norte-americana, os jornalistas eram basicamente brancos, de classe média, geralmente do nordeste dos EUA e tinham estudado em certas universidades. Portanto, todos chegavam às redações com os mesmos discursos, por exemplo, racistas. Toda vez que a polícia atirava em um negro, tratava-se de um ato de defesa. Isso produzia a noção de verdade. A produção de verdade é muito mais ligada à homogeneidade social. Quando você multiplica as origens étnicas, a diversidade sexual ou a diversidade de orientação de gênero, a capacidade de definir consensualmente a verdade diminui. Quando você entra num mundo multipolar, um mundo no qual nós já entramos, a gente muda o panorama da nossa investigação. Estou apostando contra a banca do sistema acadêmico norte-americano porque eu sei que ele vai ter que abrir espaços para a diversidade já que vive num mundo realista. Nos anos 1980 e 1990, os EUA viraram potência unipolar, impondo tudo a todo mundo. Agora quem é a potência que investe no resto do mundo? A China. Virou um outro sistema, que está patrocinando, está disputando espaço e que abre para a gente e outros países a possiblidade de interagir de uma maneira não mais subordinada. Onde é que isso entra na discussão das fake news? Fake news é um discurso de segurança. O que quero dizer: quando você tem segurança, você não está nem aí para fake news. Sempre existiram fake news, mas a chamada news era poderosa o bastante que não precisava se preocupar com o resto, que era boato.
 

Reciis: Que relação você faz entre as fake news e a democracia?

Afonso de Albuquerque: O conceito de democracia muda em diferentes momentos. No contexto neoliberal, o conceito é definido cada vez mais em relação às instituições e cada vez menos em relação ao povo. Assistimos a isso na América Latina agora. De acordo com o discurso neoliberal, presidentes populares são tiranos em potencial. Eles são considerados como irresponsáveis, não são antenados com as instituições em termos de governabilidade global.

Outro ponto é que aqueles que deveriam produzir informação confiável não o fazem. Criou-se uma situação de caos generalizado, de tal forma que, seguramente, esses agentes encontram um campo fértil para atuar. Você tem duas maneiras metafóricas de considerar a questão. Uma é uma doença externa e a outra é uma reação alérgica que deteriora o próprio organismo. Essa segunda é aquela que a literatura internacional e a brasileira ignora, mas é a mais importante. Nós temos uma crise do sistema. Há um processo de quebra das autoridades das instituições. Dentro desse processo de quebra, adotam-se cada vez mais comportamentos estritamente autoritários. Muito do discurso das fake news mira na extrema direita para acertar a esquerda. Por exemplo, sou coautor de um artigo com Eleonora Magalhães e Marcelo Alves que é sobre a blogosfera progressista. Numa das partes, nós argumentamos que o maior desafio que a blogosfera progressista enfrenta hoje é o fato de que a máquina das fake news se organiza para atingir ela mesma, usando o exemplo do caso do terço do papa. O exemplo diz que o papa teria dado um terço para Lula. Sobre isso, uma agência de fact checking diz: fake news. Logo, o Facebook pune a organização que divulgou a informação e, em seguida, várias dessas organizações são eventualmente punidas devido a essa fake news. A rigor, o que é que as fake news viraram? Fake news são uma espécie de ISO 9000 da verdade. Tem uma agência que certifica, e há um processo aí que é um processo efetivamente autoritário. Ele é autoritário no método. Ele é autoritário na sua missão.

Penso que nós estamos vivendo um momento de crise do sistema que se consolidou nas décadas de 1980 e 1990 com o modelo da globalização, estruturado a partir da relação entre o governo norte-americano e as instituições financeiras internacionais. A universidade foi organizada com esta lógica. O Banco Mundial, a partir de determinado momento, passou a ser conhecido como o banco de conhecimento, exportador de soluções. Ele patrocinou um livro sobre a importância do papel da imprensa para a governabilidade, por exemplo. Isso começa no Banco Mundial e termina na pesquisa acadêmica por meio de um mecanismo de naturalização da lógica da ciência. Eu diria que o sistema nunca funcionou tão bem. O sistema de produção de verdade está no ápice, mas a sua base está corroída. A gente tem essa tensão entre o sistema de produção de verdade, que é capaz de funcionar muito bem, e aquilo que emana energia para esse sistema, que atualmente se quebrou. É isso que produz a lógica das fake news: o discurso reativo. A maior parte das conversas que tenho sobre fake news são tensas porque as pessoas querem que eu fale que fake news são fake news.

Entretanto, eu penso que, hoje, mais do que isso, nós estamos vivendo um momento em que devemos afirmar o lugar da universidade como lugar de vanguarda da sociedade. E o papel da universidade hoje é reagir a um processo de imposição da verdade única. O meu compromisso como pesquisador é o de pensar formas de inserção da universidade, de produção de verdade, de quadros, que não sejam mera reprodução da produção científica estrangeira. Penso que essa discussão pode interessar a outros agentes empenhados em ampliar a diversidade dentro da universidade e acho que os latino-americanos têm um papel muito importante a desempenhar nesse processo, por uma razão: chineses têm uma identidade específica, uma língua própria, assim como os russos, por exemplo, mas os latino-americanos se definem fundamentalmente por sua lacuna identitária. Vivemos muitas vezes como europeus que vivem fora da Europa. É a forma como nós nos vemos. O próprio nome latino é grotesco. Somos latinos porque nós não somos norte-americanos. Somos a América, mas nós não somos americanos. Somos europeus, mas não estamos na Europa. Temos a experiência da identidade periférica, de uma não identidade produzida pela condição periférica. Então, hoje, globalmente nós temos esse lugar.

E, quanto pior fica a situação da pesquisa, mais eu me animo porque mais eu penso que o meu trabalho tem uma relevância. Óbvio que eu queria ter relevância e condição de trabalho, mas fazer isso, nas condições que nós temos, nos obriga a fugir de uma alienação. As pessoas precisam pensar: “Eu tenho que pesquisar o meu mundo!” Para fechar, de fato, há uma lógica que demonstra que a grande imprensa fracassou. “Leonardo DiCaprio tacou fogo na Amazônia”. Não existe mais uma instância poderosa para coibir esse tipo de discurso. Posso dizer qualquer coisa. “A UFF virou um espaço de plantação de maconha”. “O laboratório de química serve para produzir metafetamina”. Qual é o efeito disso? Está sendo produzido um ataque às instituições. Esse tipo de discurso louco não se reproduz. Nós temos uma agenda da destruição. Isso que estamos vivendo nos mostra a necessidade de sermos ativos como autores que produzem alternativas positivas para a sociedade.
 

Acesse a entrevista completa, com todas as referências, aqui.

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