Hora de debater os critérios de avaliação da produção científica

28/08/2015
Agência Fiocruz de Notícias | Foto: Peter Ilicciev

Camargo: processo de avaliação deve ser reestruturado com urgência

Na última quarta-feira (26/8), a Fiocruz promoveu mais um importante debate sobre avaliação da qualidade no ensino e na produção científica. "Como formar profissionais para a ciência comprometidos com a qualidade, o pensamento crítico e a inovação" foi o tema de uma mesa redonda do Seminário Educação, Saúde e Sociedade do Futuro. Na ocasião, o editor da revista de saúde coletiva Physis, Kenneth de Camargo, falou sobre a importância de aprofundar a reflexão sobre os critérios de avaliação. "É importante pensarmos nos pressupostos ocultos que estão por trás desta discussão. Hoje, é comum associarmos a chamada metafísica da avaliação, que é a ideia de que o enunciado expresso numericamente seria mais confiável, objetivo e preciso, a uma hermenêutica da suspeição, que é a noção de que se discutirmos dados sem números algo de muito ruim e persecutório pode ocorrer. Essa associação torna o processo avaliativo muito complicado", explicou Camargo. 

Ele disse que soma-se a isso uma ideia errônea de que é possível medir a produção científica por citações. "Um estudo de análise de conteúdo das citações muito interessante revelou, por exemplo, que um quarto dessas são irrisórias, 40% são relativas a capítulos de livros e não artigos, e 10% são auto referências, ou seja, o indivíduo citando a si próprio".

Segundo o editor, há também uma série de fatores sem relação com qualidade que predeterminam a possibilidade de aumento do número de citações de um artigo, como: múltipla autoria, a língua em que o artigo foi escrito e o escopo disciplinar. "Esses fatores influenciam diretamente os índices: normalmente, 20% ou menos dos artigos publicados em uma revista respondem por 80% ou mais de seu fator de impacto. Nesse sentido, é um equívoco achar que um artigo publicado em uma revista de alto impacto automaticamente é um artigo muito citado", esclareceu.

Para Camargo, é necessário reestruturar o processo de análise da qualidade da produção científica o mais rápido possível. “Avaliar ciência e impacto não é simples e muitas vezes não é imediato. Em alguns casos, seriam necessários mais de 100 anos para se percebermos a relevância de uma pesquisa, que só terá utilidade prática no futuro. Mas não podemos esperar esse tempo para decidir financiar ou não um projeto”, destacou. “Minha intervenção é um chamado às armas. Espero que cada vez mais pessoas se sintam irritadas tanto quanto eu me sinto e queiram mudar esse sistema avaliativo que simplesmente enfatiza números”.

O palestrante chamou a atenção, ainda, para a ingenuidade atual do debate, que não tem passado pela filosofia da ciência. “Se não pararmos de fato para discutir e pensar, esse processo avaliativo se tornará extremamente danoso para o fazer científico. Atualmente, da forma como as coisas são feitas, ninguém tem tempo para a reflexão, que é indispensável para a produção da verdadeira ciência”, concluiu Camargo.

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