Editoras-chefes comentam conquistas e desafios nos 10 anos de revista sobre Direito Sanitário

Fernanda Marques (Fiocruz Brasília)

“Uma revista de Direito Sanitário na internet”: este era o título do Editorial do primeiro número dos Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário (CIADS), que era lançado há exatos 10 anos. Ao completar uma década de existência, o periódico celebra ter se tornado uma grande referência em sua área, recebendo contribuições crescentes não só na quantidade de artigos submetidos, mas também na qualidade dos trabalhos divulgados. Em 2021, após publicar as quatro edições regulares de seu décimo volume, a revista lançou, em 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, uma edição comemorativa, que reúne textos de autores renomados no campo, muitos deles atuantes no conselho editorial científico do CIADS. Nesta entrevista, a primeira e a atual editoras-chefes do periódico, respectivamente Maria Célia Delduque e Sandra Alves, falam da trajetória dos Cadernos, suas conquistas e desafios. Confira, na íntegra.

Confira também dois vídeos com as editoras, no canal do Youtube da Fiocruz Brasília: vídeo 1 | vídeo 2

 

Poderiam contar um pouco sobre o contexto de lançamento da revista? O que motivou a criação do periódico, quais eram os objetivos e as expectativas?

Maria Célia Delduque: Há 10 anos, o Prodisa mantinha intenso contato com países da região Ibero-americana, como Portugal e Espanha, além de Argentina, Costa Rica, Colômbia, Cuba e Equador. Chegamos a fazer encontros na Argentina, no Brasil e na Costa Rica para discutir o Direito Sanitário. Essa aproximação com instituições estrangeiras de ensino superior e pesquisa acabou por gerar trabalhos em colaboração e, logicamente, amizades. Assim, pensamos em construir um periódico científico que abrigasse os artigos acadêmicos desse rol de parceiros na União Europeia e América Latina. A expectativa, na ocasião, era muito modesta; pensamos apenas em ter um espaço para dividir ideias e publicar realidades sobre saúde e direito nos países com quem estávamos mantendo contato. A realidade superou em muito as expectativas! Com o passar dos anos, começamos a nos tornar conhecidos também em outras áreas e decidimos não fechar portas aos que queriam publicar em nossa revista, porque a saúde é transversal ao conhecimento humano – é possível discuti-la em quase todas as áreas. O público lusófono, desde o início muito tímido, acabou por sair do estrito espaço de Portugal para abarcar estudiosos do tema em Angola, Moçambique e até Macau (China). Com a revista crescendo, houve a preocupação de inscrevê-la em renomados indexadores e apostar em melhorias para alcançar boa pontuação no Qualis-Capes. O trabalho foi muito intenso nesses 10 anos, mas foi tão prazeroso e compensador, que o tempo passou sem nos aperceber.

Sandra Alves: A professora Maria Célia sempre foi conhecida por suas ideias arrojadas e no caso do CIADS não foi diferente. A partir da interação que o Prodisa vinha desenvolvendo com professores, pesquisadores e entusiastas do tema do Direito Sanitário em outros países, especialmente Portugal, Espanha e países da América Latina, surgiu então a proposta de criar um veículo que pudesse abrigar os trabalhos que iam sendo realizados a partir dessa colaboração internacional. Foi nesse momento que o nosso querido Luiz Carlos Romero, a pedido da professora Maria Célia, desenvolveu o projeto da revista e desde então não paramos mais… É uma década de esforço para brindar nossos leitores com artigos que apresentem temas atuais na área do Direito Sanitário, e sempre com o foco na abordagem internacional (e não mais apenas ibero-americana). Nesse sentido, o CIADS insiste em projetos colaborativos, com a presença de editores convidados, nacionais e internacionais, com o objetivo de manter sempre aberto esse canal de divulgação de trabalhos acadêmicos e científicos.

 

O que o leitor encontrará na edição comemorativa dos 10 anos do CIADS?

Maria Célia Delduque: O leitor encontrará um número bastante sofisticado. Tivemos o cuidado de convidar especialistas muito engajados em estudos e pesquisas do Direito Sanitário para escrever para a edição comemorativa. Os membros do corpo editorial tiveram convites especiais, pois a revista deve muito a esse grupo de notáveis, que nos ajuda a pensar e corrigir rumos nesse caminho editorial, especialmente em âmbito internacional. Os temas são variados para demonstrar a abrangência deste conhecimento interdisciplinar que reúne juristas, com suas visões dogmáticas, e médicos e sanitaristas, com metodologias próprias da saúde coletiva. O mundo criado a partir desse encontro é fabuloso e poderá ser notado não apenas no número especial, mas em todo o acervo do periódico, desde sua criação.

Sandra Alves: Também destaco o engajamento do nosso conselho editorial científico, que respondeu de forma positiva ao convite de colaborar com a edição especial de aniversário. Recebemos vários artigos com a participação de membros do conselho, seja em autoria única ou em coautoria. Isso foi bastante significativo e um símbolo de reafirmação da credibilidade e confiança no trabalho do CIADS. Na edição comemorativa, são oito artigos que abordam temas bem variados da área do Direito Sanitário e que correspondem aos desafios atuais que envolvem esse campo, especialmente quando ponderamos contextos locais e globais.

 

Dos textos que assinam juntas nesta edição comemorativa, o que destacariam?

Maria Célia Delduque: Tive a honra de escrever em coautoria com a professora Sandra Alves o editorial deste número especial. Nele destacamos a importância da publicação científica, não apenas na nossa área de estudos, mas em todo o campo do conhecimento. A ciência é uma ação de extrema relevância na história da humanidade, desde a descoberta do fogo até a manipulação genética, a descoberta de novos materiais etc. De que adiantaria todo esse esforço sem a devida publicidade desses conhecimentos, muitas vezes enormemente inovadores? Partindo desse ponto de vista, construímos a importância de publicar no CIADS, atualmente a melhor revista na temática do Direito e Saúde.

Sandra Alves: Além do Editorial, que tive a honra de assinar em coautoria com a professora Maria Célia Delduque, há também um artigo escrito por mim, em coautoria com as professoras Maria Célia Delduque e Paula Lobato de Faria, em que abordamos o tema do recrutamento de médicos cubanos para atender vazios assistenciais, em uma perspectiva internacional. Nosso artigo apresenta as dificuldades próprias de cada um dos países estudados – Angola, Brasil e Portugal – no que se refere à composição de seus recursos humanos em saúde, e aos arranjos estabelecidos para que pudessem então efetivar o recrutamento desses profissionais por meio de acordos de cooperação. Assim, o trabalho destaca a importância do Direito para a implementação de medidas que visam a garantia do Direito à Saúde.

 

Quais os principais pontos a comemorar nestes 10 anos do CIADS?

Maria Célia Delduque: Sem sombra de dúvida, o ponto a comemorar nesses 10 anos é a total retidão do periódico aos seus princípios orientadores, declarados no número 1, volume 1. O primeiro deles: a adesão ao acesso livre, uma realidade no mundo editorial, não se podendo mais falar, em pleno século XXI, de informações científicas herméticas de acesso apenas para os pares. O segundo princípio é a isenção de pagamentos ou taxas para os autores, leitores e demais interessados. É lamentável que ainda existam revistas científicas que cobram para publicar e, também, para o simples acesso. Muitas pesquisas são financiadas com recursos públicos, mas para seu acesso em publicações tem-se que pagar. Embora reconheça que os periódicos precisam pagar as contas, cobrar pela publicação e pela leitura não faz muito sentido. O terceiro princípio que norteia a revista até hoje é a publicação, preferencialmente online e sem restrição para download, impressão, cópia e uso legítimo de quaisquer informações em seus números publicados. O ISSN do periódico permite que sejam impressos números e o fazemos, quando há uma ocasião especial, mas o acesso online livre e desimpedido é a prática.

Sandra Alves: São muitos os pontos a comemorar, sem dúvida! Temos um periódico de Direito Sanitário que se consolidou junto à comunidade científica e acadêmica e que, apesar dos reveses na garantia de um financiamento perene, continua mantendo seus princípios de ser uma publicação inteiramente gratuita. Temos um corpo de revisores comprometidos com suas ações, o que também reverbera na qualidade dos textos publicados. E, desde setembro desse ano, passamos a integrar formalmente o Fórum de Editores Científicos da Fiocruz. Em breve, estaremos presentes também no Portal de Periódicos Fiocruz. Então, realmente, temos muito o que celebrar ao longo desses 10 anos de CIADS.

 

Quais as maiores contribuições do CIADS para a ciência e a saúde?

Maria Célia Delduque: O CIADS, atualmente, é o grande balizador do desenvolvimento da área do Direito Sanitário. É na quantidade e qualidade dos artigos submetidos que podemos medir o avanço nos temas da saúde coletiva, do direito médico e do direito sanitário, além do surgimento das novas áreas de atuação deste conhecimento.

Sandra Alves: O CIADS contribui para a ciência e para a saúde na medida em que funciona como um veículo sério de publicação de resultados de pesquisas, que passam por uma avaliação de pares, atendendo ao regime de revisão duplo-cego e adotando, entre suas práticas editoriais, os princípios éticos recomendados pelo Comitê de Ética em Publicações (COPE, do inglês Committee on Publications Ethics). Ademais, o CIADS está sempre apresentando temas inovadores que demonstram bem a amplitude do campo e a necessidade de pesquisas cada vez mais qualificadas sobre as inúmeras dimensões do direito à saúde.

Ao longo desses 10 anos, houve alguma edição ou artigo especialmente marcante, na opinião de vocês?

Maria Célia Delduque: Eu, pessoalmente, tenho predileção pelos números que correspondem aos Anais do I Web Congresso Internacional de Direito Sanitário. Foi um marco, muito antes da web virar o meio preferencial para se fazer encontros científicos. Na ocasião, demos o nome de Web Congresso; depois, nunca ninguém usou essa denominação – ela ficou particularizada no nosso Congresso, que rendeu 600 participantes com representatividade de todo o mundo, com mais de 80 trabalhos científicos apresentados. Foram quatro números suplementares para dar conta da quantidade de resumos expandidos aprovados e apresentados no Congresso. A publicação deu aos participantes um valor a mais nos currículos, ao lançarem não apenas a participação no evento, mas a publicação dos resultados de suas pesquisas em uma revista científica de referência, disponível até hoje, para qualquer um consultar.

Sandra Alves: Estou à frente do CIADS, como editora, há pouco mais de dois anos, apesar de sempre ter atuado no periódico em outros papéis. Quando assumi a revista, com a aposentadoria da professora Maria Célia Delduque, me vi diante de um enorme desafio. Não tinha nenhuma formação específica na área de editoria científica, mas tinha uma certeza comigo: o CIADS representava um importante periódico científico que não poderia deixar sucumbir. Então, quando comemoramos hoje os 10 anos do CIADS, percebo que esta edição é muito especial, pois significa a consolidação desse trabalho, e um importante marco na resistência do Direito Sanitário como campo de conhecimento, respeitando sua interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Por isso, considero que esta é a edição mais marcante nessa trajetória.

 

Quais os desafios para o futuro do periódico?

Maria Célia Delduque: Desafios nunca faltaram ao CIADS – a cada novo passo, novos horizontes se apresentam para serem alcançados. Mas não tenho dúvida de que o mais desafiador propósito é a obtenção da indexação no SciELO. Muito tem que ser feito para que a revista esteja a altura de ingressar nesse portal. Subir a nota do Qualis-Capes é outro desafio que vai requerer muita dedicação de todo o corpo que faz a revista. Um terceiro desafio, eu diria, é uma fonte permanente de financiamento, para que possa utilizar um sistema mais rápido e eficiente de softwares para a gestão do periódico, para o autor e o usuário.

Sandra Alves: Falei dos pontos a comemorar, mas também temos muitos desafios para os próximos anos. Em verdade, sempre que avançamos uma trincheira, outro obstáculo se apresenta, e isso é próprio de quem está ascendendo… Manter um periódico científico é um trabalho hercúleo. Contar com um financiamento perene é essencial para atingirmos nossas metas de curto, médio e longo prazo. O CIADS existe há uma década, mas precisamos existir com cada vez mais qualidade, e é esse o desafio que nos impomos diariamente.

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