Allan Rocha de Souza, Danilo Doneda, Francisco Nascimento e Paulo Guanaes

Comunicação GTCA/Fiocruz | Foto: Peter Ilicciev

Em sentido horário, os autores: Allan Rocha de Souza, Danilo Doneda, 
Francisco José Nascimento e Paulo Guanaes

 

O processo de formulação da Política de Abertura de Dados para Pesquisa na Fiocruz acaba de ganhar mais um elemento de referência para a discussão interna sobre o tema, que se iniciou em julho deste ano. Trata-se do documento Marcos legais nacionais em face da abertura de dados para pesquisa em saúde: dados pessoais, sensíveis ou sigilosos e propriedade intelectual.

O documento, produzido pelo Grupo de Trabalho em Ciência Aberta (GTCA) - Marcos Legais, após sete meses de trabalho, está disponível no Repositório Arca. A publicação apresenta um mapeamento a partir do ordenamento jurídico brasileiro. Seu objetivo é identificar os marcos legais nacionais que incidem sobre temas vinculados à abertura de dados para pesquisa em saúde, como: utilização e proteção de dados pessoais, sensíveis ou sigilosos, propriedade intelectual, segurança da informação, reúso e compartilhamento de dados.

Este estudo se soma a três outros documentos publicados pelo Grupo este ano: o Termo de Referência Gestão e abertura de dados para pesquisa na Fiocruz; o Livro Verde - Ciência aberta e dados abertos: mapeamento e análise de políticas, infraestruturas e estratégias em perspectiva nacional e internacional; e o Sumário Executivo do Livro Verde, também disponíveis no Arca. A iniciativa visa prover a comunidade de fontes de informação para o debate interno sobre essa temática e também subsidiar a elaboração das diretrizes da política institucional.

Nesta entrevista, os autores da publicação - Allan Rocha de Souza, Danilo Doneda, Francisco José Nascimento e Paulo Guanaes (também organizador) — comentam algumas questões abordadas em Marcos legais nacionais em face da abertura de dados para pesquisa em saúde: dados pessoais, sensíveis ou sigilosos propriedade intelectual. Confira:

Grupo de Trabalho em Ciência Aberta/Fiocruz: Para a Fiocruz, qual é a importância deste estudo sobre marcos legais relacionados à abertura de dados para pesquisa em saúde?

Paulo Guanaes: O grupo criou um documento que é um mapa de normas, com links para o texto legal, descrição do seu objeto, justificativa para sua seleção e comentários explicativos. Assim, a comunidade da Fiocruz e a sociedade têm à disposição um registro dos subsídios jurídicos que servem ao desenvolvimento e à elaboração da Política de Abertura de Dados para Pesquisa da Fiocruz, atualmente em debate na instituição.

Neste mapeamento do ordenamento jurídico brasileiro, identificamos um conjunto de 21 normas (como a Constituição Federal, leis federais, decretos, resoluções do Conselho Nacional de Saúde, portaria e resolução de ministérios, e propostas normativas), que incidem sobre temas vinculados à abertura de dados para pesquisa em saúde, tais como utilização e proteção de dados pessoais, sensíveis ou sigilosos, propriedade intelectual, segurança da informação, reúso e compartilhamento de dados.

O estudo relata a pesquisa documental realizada entre janeiro e julho de 2018 em fontes legislativas primárias do período de 1988 a 2018. Um ponto importante é a contribuição para o tema por meio de análises ético-jurídicas sobre o movimento Ciência Aberta e as novas práticas de produção do conhecimento que ensejam uma pesquisa mais colaborativa e compartilhada. Vale lembrar que grandes volumes de dados vêm sendo utilizados, e que seu tratamento, uso e reúso esbarram em questões relativas a direitos e garantias individuais e coletivas, além daquelas relacionadas à ética em pesquisa e à responsabilidade social científica das instituições.

Destaco a seção “Sobre os atos normativos nacionais que impactam ou têm potencial de impactar a abertura de dados para pesquisa”, que versa sobre a fundamentação jurídica da abordagem do tema abertura de dados para pesquisa por uma instituição de científica como a Fiocruz, que deseja avançar nessa questão e, para tanto, necessita regular internamente, com base nas diretrizes e limites normativos, a temática como forma de oferecer maiores garantias e segurança aos pesquisadores.

GTCA/Fiocruz: O estudo mostra que não existe no Brasil uma legislação específica sobre todo o processo de pesquisa em saúde pública. Em que medida a recém-criada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) preenche essa lacuna no que se refere à regulação quanto a dados de pesquisa em saúde e abertura de dados?

Danilo Doneda: Acredito que a LGPD represente uma contribuição concreta para um marco regulatório em pesquisa e, especificamente, pesquisa em saúde pública. A bem da verdade, este marco regulatório foi desenvolvido ao longo dos anos em torno de instrumentos e institutos que procuram estabelecer e implementar um conjunto de padrões éticos para a pesquisa que envolve seres humanos, com destaque para as resoluções do Conselho Nacional de Saúde.

Mais recentemente, no entanto, a possibilidade de utilizar dados de variadas fontes para a pesquisa pública em saúde demandou uma fundamentação e base jurídica ampliada para que tais dados pudessem ser regularmente utilizados sem maior risco aos seus titulares. Com este objetivo e também a fim de contemplar o desenvolvimento de técnicas que passaram a se valer efetivamente desses dados para pesquisa pública em saúde, o tema passou a ser referenciado em diversas legislações de proteção de dados - que, assim como hoje faz a LGPD no Brasil, procuraram proporcionar segurança aos pesquisadores e titulares dos dados.

GTCA/Fiocruz: Que dispositivos da LGPD tratam diretamente da pesquisa em saúde pública?

Danilo Doneda: A atividade de pesquisa é contemplada na Lei 13.709/2018 (LGPD), primeiramente ao definir o órgão de pesquisa, no art. 5º, XVIII, como instituição da administração pública direta ou indireta ou pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos com a finalidade de realizar pesquisa básica ou aplicada de caráter histórico, científico, tecnológico ou estatístico. Mais adiante, no art. 13, a LGPD estabelece regras específicas para a pesquisa em saúde pública, deixando clara a possibilidade de utilização de dados pessoais. Porém estabelece a necessidade do recurso a ambiente seguro, de acordo com especificações a serem determinadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Fixa, ainda, a completa impossibilidade de que dados identificativos sejam divulgados em qualquer forma. Estabelece também a responsabilidade do órgão de pesquisa pela segurança dos dados pessoais utilizados.

GTCA/Fiocruz: O que as leis de direitos autorais e de propriedade industrial protegem no contexto de uma política de abertura de dados para pesquisa?

Allan Rocha: Antes, é importante ressaltar o fato de que progressivamente os direitos autorais foram ampliando seu objeto para além das expressões literárias, artísticas e científicas, incluindo também a tecnologia na forma de programas de computador das mais variadas feições. Mais recentemente, até mesmo a informação passa a ser apropriada e, no limite, aspectos conceituais começam a ser considerados como elementos de proteção.

Dito isso, a vinculação da ciência aberta com a propriedade intelectual, mais amplamente, tem como foco os dados e informações que nutrem as estruturas empresariais, e sobre as quais buscam uma exclusividade, tanto em razão de segredos de negócios, quanto como parte do universo patenteável. Dados (pessoais ou científicos) são igualmente centrais para a relação entre ciência aberta e direitos autorais. Porém, neste caso, a vinculação se dá em razão não dos dados em si mesmo, mas da forma como são selecionados, organizados e dispostos nos bancos de dados – que são protegidos pela lei de direitos autorais e, em razão de sua estrutura essencialmente digital, também pela Lei de Software, o que adiciona uma nova camada de complexidade.

Isso traz desafios importantes para a política de abertura de dados para a pesquisa da Fiocruz, como a discussão de questões sobre titularidade (quem é dono); usos reservados, condicionados ou livremente acessíveis; os instrumentos contratuais necessários à efetivação da política; e a responsabilidade pelos usos e pelo próprio banco de dados. É preciso superar todas estas questões e enfrentá-las, considerando o desafio de que se trata de uma política nova e, ao mesmo tempo, complexa.

GTCA/Fiocruz: O que significa a expressão “dados públicos administrativos”?

Francisco Nascimento: Dados públicos administrativos são todos os dados que compõem os ativos informacionais do governo. Ou seja, todos os dados estruturados ou não, e disponíveis em qualquer formato, meio ou suporte acumulados no exercício da atividade pública administrativa. Nesse sentido, precisamos considerar esses dados sob dois aspectos: dados públicos administrativos de pesquisa e dados públicos administrativos para a pesquisa.

Sabemos que, no campo da saúde, compete aos entes estatais a realização de pesquisas para o desenvolvimento da ciência e da saúde. Sendo a pesquisa uma atividade pública administrativa, os dados gerados, utilizados e acumulados seriam considerados dados administrativos de pesquisa.

No segundo aspecto, podemos considerar que a universalidade dos dados produzidos, utilizados e acumulados no exercício da atividade pública administrativa são dados com potencialidade para o emprego na pesquisa — ainda que, em sua gênese, não tenham sido concebidos no contexto de uma pesquisa, aqueles selecionados e coletados para a pesquisa seriam considerados dados públicos administrativos para a pesquisa. Logo, os dados públicos administrativos de pesquisa seriam uma parte do todo denominado dados públicos administrativos.

 

*Os autores (na foto, em sentido horário):

Allan Rocha de Souza
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto Três Rios, Três Rios, RJ, Brasil; Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, Proprietas, Niterói, RJ, Brasil.

Danilo Doneda
Instituto Brasiliense de Direito Público, Brasília, DF, Brasil; Fundação Oswaldo Cruz.

Francisco José Nascimento
Fundação Oswaldo Cruz, Vice-Presidência de Ensino, Informação e Comunicação, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Paulo Guanaes
Fundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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